COMO OS CIENTISTAS SABEM A IDADE DA TERRA? - Geocronologia - Sobre Geologia

15/04/2018

COMO OS CIENTISTAS SABEM A IDADE DA TERRA? - Geocronologia

Atualmente, em diversos momentos lemos e escutamos que a Terra tem 4,5 bilhões de anos e encaramos isso com naturalidade, mas muitas vezes é comum surgir a seguinte questão: como os cientistas sabem a idade da Terra? No artigo de hoje responderemos a essa pergunta e mostraremos as diversas teorias que tentaram desvendar o enigma da idade do nosso planeta.
Representação da Terra há 4,5 bilhões de anos
Retirado de: https://goo.gl/CNtYP4

Durante boa parte da história da humanidade essa foi uma questão muito debatida e estudada. Justamente por isso diversas hipóteses foram levantadas, cálculos efetuados e aproximações realizadas na tentativa de encontrar um número para a idade do nosso planeta.
Até o século XVI as hipóteses mais conhecidas e mais aceitas levavam em consideração uma análise literal da bíblia como referencial para a datação e partiam do pressuposto da origem do planeta e universo segundo uma criação divina.
Nessa linha, o arcebispo James Ussher, em 1650, publicou um tratado de cronologia bíblica no qual ele traçou a genealogia de Jesus até Abraão e até Adão, segundo as informações contidas nas escrituras. Em conclusão de seu estudo, Ussher determinou uma idade de aproximadamente 6000 anos para o planeta.
Tabela com os dados obtidos por Ussher em seu trabalho
Fonte: Teixera et al (2009)
Devido a influência que o arcebispo tinha naquele período seus resultados ficaram muito famosos na Europa e foram inseridos como nota em bíblias até meados do século XX. Todavia, grandes lacunas na genealogia bíblica e uma falta de rigor científico no estudo de Ussher, fazem com que seus resultados sejam questionáveis, já que uma Terra tão jovem não seria capaz de explicar as transformações da dinâmica terrestre como a evolução de montanhas, o afastamento entre os continentes e a deposição de estratos em uma bacia sedimentar.
Tendo em vista as imprecisões dos resultados de Ussher, diversos cientistas buscaram elaborar hipóteses que respondessem melhor ao enigma da idade da Terra, principalmente a partir do fim do século XVIII.
Esses estudos foram os responsáveis para o surgimento de uma nova ciência: a geocronologia. A geocronologia é uma ciência que se debruça no estudo do tempo geológico, através da datação absoluta e relativa dos diversos eventos geológicos (cristalização e recristalização de rochas e minerais, deposição de sedimentos, formação de depósitos minerais, etc).
Uma das mais importantes constatações para o estudo da idade das rochas e consequentemente do próprio planeta foi a do Bispo Dinamarquês Nicolau Sterno, que observou que as rochas se depositavam horizontalmente ao alcançar as regiões de sedimentação (princípio da horizontalidade).
Outra contribuição importante foi dada pelo químico escocês James Hulton, que, ao analisar as paisagens da Inglaterra e Europa, chegou à conclusão de que muitos dos processos geológicos responsáveis pela dinâmica terrestre ocorriam em um ritmo muito lento, necessitando de períodos extremamente longos para produzirem os resultados vistos atualmente e que esses processos sempre existiram, agindo de forma cíclica, construindo e destruindo paisagens.

Após esse avanço no conhecimento dentro da geocronologia, o geólogo Willian Smith percebeu que os fósseis presentes em uma sequência sedimentar são dispostos segundo uma ordem determinada e invariável e que se essa ordem é conhecida é possível determinar a idade relativa das rochas nessa sequência.

Fóssil de trilobita, que é um dos principais indicadores da idade relativa em rochas
Retirado de: https://goo.gl/YAUG6Y
Essa cadeia fossilífera foi explicada por Charles Darwin, ao propor a teoria da evolução biológica irreversível das espécies, levando a conclusão de que as cadeias fossilíferas encontradas nos estratos sedimentares deveriam estar ordenadas de acordo com a teoria evolucionária.
As pesquisas e avanços realizados na área da evolução naquele período, juntamente com as ideias surgidas dentro da geologia, levaram à concepção de que a Terra teria de ser muito mais velha do que alguns milhares de anos para justificar a diversidade de espécies, segundo o mecanismo evolutivo.
Durante o século XIX muitos cientistas buscaram formular teorias e realizar cálculos para encontrar um resultado que fosse plausível com as descobertas feitas na geocronologia até então.
Entre as hipóteses surgidas há, por exemplo, a que sugere calcular o tempo através da espessura das camadas de areia, desde que se soubesse quanto tempo leva para formar uma camada de determinado tamanho (taxa de sedimentação). Ou ainda a hipótese baseada na taxa de salinidade dos mares, que, segundo seus os defensores, seriam inicialmente doces e, devido ao transporte de sal - teoricamente proveniente de rochas dos continentes – por meio dos rios, teriam salinizado os mares.
Contudo ambas as hipóteses entravam em claras contradições metodológicas. A primeira não se sustenta já que não há registro preservado que contenha todas as camadas de areias empilhadas desde o princípio da Terra, face à dinâmica transformadora do planeta e também a taxa de sedimentação que não ser constante no tempo. E a segunda caiu já que os pesquisadores descobriram que o sal das rochas não vai diretamente para o mar, ou seja, o mar não é a fase final. Além disso, descobriram também que a salinidade da água do mar é constante no tempo.
Além dessas, uma das tentativas mais conhecidas de datação da idade da Terra e que obteve mais credibilidade durante o século XIX foi a realizada pelo físico Willian Thomsom, conhecido por Lord Kelvin – o mesmo responsável por determinar o valor do zero absoluto e criar a escalar térmica de Kelvin –, que usava a perda de calor do núcleo terrestre como base de seus cálculos.
Para Kelvin, o uniformitarismo decorrente dos estudos de Hulton, que previa ciclos eternos na dinâmica terrestre não faziam sentido por violarem as leis da termodinâmica. Segundo Kelvin a energia do núcleo terrestre não era eterna nem constante, mas que estava em constante perda para o espaço desde a origem do planeta. Diante disso, baseando-se nos cálculos de dissipação do calor terrestre pelo tempo, encontrou uma idade entre 20 e 40 milhões de anos.
Os estudos realizados por Kelvin ganharam muita força (principalmente entre os físicos) no decorrer do século XIX por trabalhar com uma constante aparentemente absoluta. Todavia, mesmo Kelvin admitia que poderia faltar algum elemento em sua hipótese. E de fato, faltava. O físico não tinha conhecimento por exemplo do valor de pressão encontrada no interior terrestre, ou ainda do ponto de fusão da crosta, que seria determinante nos resultados, ou ainda a respeito do calor interno gerado por decaimento radioativo.
Será esse mesmo decaimento radioativo, desconhecido até então, que protagonizará uma das maiores descobertas do século XX e que será essencial para os cientistas saberem atualmente com muita precisão a idade da Terra.
A descoberta da radioatividade em 1896 atraiu a atenção de vários membros da comunidade científica, incluindo o físico Enerst Rutherford, que iniciou trabalhos na busca por compreender os fenômenos radioativos.
Foi em 1902 que Rutherford, ao estudar a radioatividade percebeu que ela envolvia a emissão de partículas ou radiações eletromagnéticas e a formação de átomos de outros elementos químicos. Além disso, o físico percebeu que esse fenômeno acontecia em uma razão constante, segundo a qual a massa de um elemento radioativo instável era reduzida pela metade após um determinado tempo, o que ficou conhecido como tempo de meia vida.

O decaimento radioativo ocorre quando um elemento instável se desintegra liberando radiação (alfa, beta ou gama) e dando origem a um novo elemento. Um elemento é considerado instável quando ele apresenta mais de 84 prótons em seu núcleo – limite no qual os prótons conseguem suportar a força de repulsão entre si. Outra forma de um elemento se considerado instável é se a quantidade de prótons for muito superior a de nêutrons ou se a de nêutrons for muito superior à de prótons, visto que os nêutrons usualmente atuam como inibidores da força de repulsão entre os prótons, e nesses casos ele não consegue desempenhar essa função.

Exemplo de decaimento do urânio 235 em Tório 231 com a emissão de uma partícula alfa.
Retirado de: https://goo.gl/tPBUB2
Quando um átomo radioativo decai ele pode liberar radiação alfa, caracterizada pela emissão de uma partícula de massa 4 e carga +2 juntamente com energia, ou pode liberar radiação beta, caracterizada pela emissão de uma partícula de carga -1 e energia, ou é possível ocorrer a liberação de radiação gama que se traduz na liberação somente de energia.

Quando o decaimento acontece, existe uma redução na massa original do composto radioativo. Os átomos que fazem parte da massa original recebem o nome de átomo pai de modo que se a redução na massa se dá em um tempo constante a proporção de átomos pai é fundamental para determinar o tempo de meia vida do elemento.
Gráfico do comportamento da proporção entre elemento pai e elemento filho ao longo do tempo
Retirado de: https://goo.gl/yKuQJK
Ao tomar conhecimento dessa taxa de decaimento constante, Rutherford percebeu que havia descoberto um relógio natural absoluto, que permitiria a datação de rochas e poderia ser usado como um instrumento para datação do próprio planeta.
Tabela apresentando os tempos de meia vida de alguns elementos radioativos e o tipo de radiação emitida
Retirado de: https://goo.gl/evPxRs
As descobertas de Rutherford causaram um grande alvoroço na comunidade científica, desencadeando diversas áreas de pesquisa dentro da química e física e sendo uma enorme contribuição para as áreas da biologia e da geologia, principalmente no que tange à geocronologia. Exatamente pelo impacto de suas descobertas, Rutherford foi ganhador do prêmio Nobel de química em 1908.
Desde então os cientistas utilizam de um instrumento confiável para realizar datações absolutas em rochas quando necessário, solucionando mistérios e acrescendo o conhecimento sobre nosso planeta.
Contudo, precisa-se ressaltar que apesar do decaimento ser uma ferramenta eficiente ela precisa ser bem aplicada para a situação correta, já não é qualquer tipo de decaimento radioativo que será representativo para determinar a idade da Terra, por exemplo.
Por exemplo, assim como um escalímetro não é adequado para medir a distância do Brasil à China, um elemento que decaia em um tempo de meia vida muito curto não é adequado para medir de maneira representativa idades geológicas na casa de bilhões de anos. Assim, os pesquisadores dão preferência a elementos com tempos de meia vida em milhões a bilhões de anos.
Dessa forma, sabendo a quantidade inicial de um elemento radioativo e a quantidade final é possível estabelecer uma razão entre ambos e encontrar a quantidade de meias-vidas que foram realizadas e sabendo o tempo de uma meia vida determinar a idade de um dado material.
Tomando a relação entre Urânio (U) e Chumbo (Pb), por exemplo, em que há dois nuclídeos do urânio – 235U e 238U – que decaem gerando, respectivamente, os nuclídeos 207Pb e 206Pb. Considerando que um átomo de 238U dê origem a um átomo de 206Pb, a relação [206Pb]/[238U] variará com o tempo conforme a tabela. Igualmente vale para a razão [207Pb]/[235U]. A razão [Pb]/[U] permite obter o número de meias-vidas e, consequentemente, a idade da rocha ou mineral, já que o valor de meia-vida do 238U é conhecido (Araujo e Mol, 2013).
Tabela da relação entre a quantidade de átomos U e Pb e o tempo de meia vida
Retirado de: https://goo.gl/nwwqLN

Contudo, em diversas ocasiões a quantidade inicial de 206Pb não é zero, já que sua origem pode ser tanto fruto do decaimento de urânio quanto de uma origem não radioativa, e se essa quantidade inicial não for encontrada se torna impossível calcular a idade absoluta do material por esse método. Por essa razão, para saber a proporção inicial de chumbo seria necessária uma amostra remanescente da formação do planeta Terra que estivesse intacta e inalterada e ainda não apresentasse urânio já que esse decai em chumbo, não sendo possível saber quando já teria decaído.
Posto os requisitos para se encontrar uma amostra representativa parecia que o enigma da idade do nosso planeta permaneceria sem solução, entretanto não era assim que o geoquímico Clair Patterson via a situação.
Patterson propôs que a poeira cósmica responsável por formar a Terra também foi responsável por formar meteoritos que vagam pelo espaço sem realizar muitas interações e que, portanto, preservam a composição de Chumbo semelhante à encontrada nos primórdios do planeta Terra.
Dessa forma, foram analisados diversos meteoritos, entre eles os do Canyon Diablo, os quais atendiam aos requisitos em relação à preservação e também não continham Urânio. Ou seja, não havia chumbo decorrente de decaimento radioativo em sua composição. Essa era, portanto, a amostra ideal para se determinar a proporção inicial de Pb na formação do planeta.
No estudo elaborado por Patterson, as rochas terrestres e os meteoritos deveriam apresentar inicialmente a mesma proporção de 206Pb, 207Pb e 204Pb. Sendo que a concentração de 204Pb se manteve constante para ambas as amostras por não ser produzido por decaimento radioativo. Com o passar do tempo as relações 206Pb/204Pb e  207Pb/204Pb se alteraram para as rochas terrestres na medida que ocorria o decaimento radioativo do U, ao passo que essas relações para os meteoritos permaneceram constantes. Sabendo que essas razões se alteravam em uma taxa previsível de acordo com o decaimento de U e que o tempo de meia vida do urânio é conhecido, foi possível determinar a quantidade de meias vidas realizadas pelo urânio e, portanto, a idade do planeta Terra.

Patterson, após realizar uma análise minuciosa da concentração de chumbo e urânio em suas amostras, foi capaz de elaborar o seguinte gráfico em que a interseção entre as duas retas representa a idade do planeta Terra.

Gráfico elaborado por Patterson relacionando a linha de crescimento da relação Pb206/Pb204 em função do tempo nas amostras da Terra e a linha de crescimento dessa mesma relação em função do tempo para as amostras de meteorito
Retirado de: https://goo.gl/nwwqLN

Com esses dados, Patterson estimou a idade da Terra como sendo igual a 4,55 ± 0,07 bilhões de anos. Atualmente, considera-se 4,55 ± 0,02 bilhões de anos.
Desde a realização desses trabalhos, iniciou-se uma corrida na busca pelas rochas terrestres mais antigas. Atualmente o material terrestre mais velho já encontrado é um fragmento de zircão oriundo da Austrália datado em cerca de 4,4 bilhões de anos.
Na atualidade muitos métodos de datação de rochas utilizam o decaimento de urânio em chumbo dentro do zircão, já que esses minerais não apresentam chumbo não radioativo em sua composição.
Isso pode ser explicado pelo raio iônico grande do chumbo que o impede de entrar como impureza dentro da estrutura do zircão. O raio iônico do urânio, por outro lado, o permite entrar na estrutura do mineral. Uma vez inserido no retículo cristalino, o urânio passa a decair em chumbo permitindo aos cientistas realizarem uma datação direta nas amostras que contenham esse mineral.
Percebe-se que a descoberta da idade da Terra foi um marco na ciência e principalmente dentro da geologia, e que foi fruto da elaboração de diversas hipótese, debates e refutações, que acompanharam a evolução do pensamento científico. A solução para o enigma da idade da Terra nos ensina que nada é uma verdade absoluta e que deve “a verdade” ser sempre questionada, contudo esse questionamento não pode ser puramente o ato de questionar, mas deve vir acompanhado de evidências, hipóteses alternativas, dados, correções e outros diversos artifícios para fortalecer um debate científico que preze por ser (ou tente ser) o mais neutro possível.

Kelvin não tinha todos os mecanismos quando elaborou sua hipótese para idade da Terra, e foi capaz de reconhecer isso em seus trabalhos. Talvez hoje ainda não conheçamos algum fator importante na datação da idade da Terra, mas as informações que temos hoje, oriundas dos estudos realizados no século XX, nos levam todas à conclusões similares e, ao menos que novas descobertas na área da geocronologia sejam feitas e experimentos reproduzidos que contestem de maneira satisfatória as teorias atuais, a Terra de 4,5 bilhões de anos é a teoria que mais representa a realidade.
Referências
https://www.researchgate.net/publication/282437221_A_Radioquimica_e_a_Idade_da_Terra - acessado em 15/04/2018

http://www.igc.usp.br/index.php?id=304 - acessado em 15/04/2018

http://sigep.cprm.gov.br/glossario/verbete/geocronologia.htm - acessado em 15/04/2018

http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/quimica/decaimento-radioativo-natural.htm - acessado em 15/04/2018


ARTIGO ESCRITO E REVISADO POR CARLOS EDUARDO DE O. COSTA

4 comentários:

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    1. [COMENTÁRIO DO ADMINISTRADOR] Agradecemos pelo seu feedback, William, é muito valioso para os escritores do SG!

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  2. Texto ótimo, só houve uns erros de digitação q atrapalharam a leitura de uma ou duas frases, mas o conteúdo tá mt bom

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    1. [COMENTÁRIO DO ADMINISTRADOR] Agradecemos pelo seu feedback, Gustavo!

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