Observando o planeta Terra
hoje, é muito difícil imaginar que ele já foi totalmente coberto por gelo,
principalmente porque sabemos que os ambientes glaciais correspondem a apenas
10% da superfície terrestre (restrito aos polos Norte e Sul e ao topo das altas
montanhas). Entretanto, a teoria “Snowball”
(“bola de neve”) diz que uma glaciação intensa no período proterozoico fez com
que a Terra ficasse totalmente coberta por gelo. No artigo de hoje, trataremos
dessa hipótese que está a cada dia mais próxima da sua confirmação.
Representação gráfica da Terra durante o seu período "bola de neve". Fonte: http://www.bbc.com/earth/story/20150112-did-snowball-earth-make-animals |
Introdução:
Glaciações são períodos durante
os quais boa parte da superfície da Terra fica coberta por gelo, sendo também conhecidas
como “eras do gelo” ou “idades glaciais”. A idade glacial mais antiga de que se
tem conhecimento ocorreu há 2,4 bilhões de anos atrás, e a mais recente há 11.500
anos. Glaciações são frequentes na
história do planeta, e acredita-se, inclusive, que elas representam um ciclo
entre períodos glaciais e inter-glaciais.
Porém, durante muitos anos,
mesmo com o conhecimento de que glaciações são frequentes, não era possível
crer que em algum momento os trópicos haviam congelado também. Isso porque as
leis naturais da época diziam que, devido à presença do Sol, os trópicos nunca
poderiam passar por uma glaciação.
A teoria “Snowball” afirma que, diferente das
outras glaciações, durante o período proterozoico, toda a Terra ficou coberta
de gelo, inclusive os trópicos. Essa ideia dividiu os cientistas e ainda hoje
causa muita discussão entre a comunidade das geociências.
Tempo
geológico:
A última glaciação da época
pré-cambriana ocorreu no proterozoico, entre 750 e 600 milhões de anos atrás.
Durante esse período de tempo, fases de glaciação intercalaram-se com fases
quentes. Acredita-se que a Terra “bola de neve” ocorreu nesse período, em uma
dessas glaciações que se alastrou por todo o globo, tornando a temperatura
média do planeta -40°C, aproximadamente, entre 650 e 600 milhões de anos atrás.
Escala do tempo geológico (para entender mais clique aqui). Fonte: Geocultura.net |
Evidências:
As maiores evidências da real ocorrência dessa bola de
neve são os tilitos, que estão espalhados em todos os continentes terrestres.
Tilitos são rochas sedimentares originadas da litificação dos clastos glaciais,
o till. A característica própria do till é o seu pobre selecionamento, ou seja,
tanto sedimentos grandes quanto pequenos se encontram juntos. Isso ocorre
porque o poder de transporte da geleira é muito grande, então ela arrasta todos
os tipos de sedimento e eles são depositados com o seu derretimento.
Isso foi observado pela primeira vez em um deserto da
Namíbia (país que se encontra na região tropical), pelo geólogo Paul F. Hoffman,
onde matacões, fragmentos de rocha com pelo menos 25cm, segundo a escala
Wentworth (leia mais sobre esse assunto aqui), se encontravam entre sedimentos mais
finos. Outros tipos de agentes transportadores, como a água e o vento, não
teriam como transportar um fragmento tão grande como um matacão e, muito menos,
junto com sedimentos tão finos.
Essas características não foram somente observadas na
Namíbia, mas também em diversos países do mundo. Ao serem estudadas as idades dessas
rochas, todas apresentavam período de formação igual: 600 milhões de anos atrás,
durante o período proterozoico.
Tilito encontrado na namíbia. Fonte: snowballearth.org |
Essas descobertas fizeram com que cada vez mais a teoria
fosse levada em consideração, mas, ao mesmo tempo, muitos contrapontos
apareceram. Outra explicação para a presença desses tilitos em áreas tropicais
era a de que os movimentos das placas tectônicas foram responsáveis por transportar
os continentes para as áreas polares, onde geleiras se formaram, antes de
transportar e depositar sedimentos. Essa ideia não só explicava essas rochas,
como respeitava as leis naturais da época: caso estivesse correta, os trópicos
nunca teriam congelado.
Existe uma forma de descobrir onde a rocha foi
originalmente formada que poderia dar mais uma evidência à teoria, ou acabar de
vez com ela. Essa forma é através do magnetismo. As rochas possuem minerais
magnéticos que possuem uma direção magnética que se conserva, ou seja, se
mantém o mesmo desde sua formação. Essa direção sempre acompanha o campo
magnético do centro da Terra, então uma rocha formada nos polos teria uma
direção vertical, enquanto uma formada no equador teria direção horizontal.
Analisando através de maquinas especializadas diversas
rochas do mundo todo, foi descoberto que as rochas que se encontravam em países
tropicais foram formadas nos trópicos, e não nos polos. Era mais um passo que a
teoria Snowball dava para ser aceita
pelos cientistas — todavia, ainda não se entendia como os trópicos foram
congelados mesmo com o calor do sol.
Como
a Terra congelou?
O climatologista russo Mikhail Budyko, durante a década
de 1950, percebeu que grande parte do calor da Terra é mantido por causa dos
oceanos. Por serem escuros, eles absorvem a energia solar, que mantém a
temperatura do planeta. Já as geleiras, que são claras, refletem a luz solar,
portanto, quanto mais geleiras o planeta tiver, mais frio ele vai se manter.
Com essa observação, foi possível entender porque os
trópicos foram congelados, embora, ao mesmo tempo apresentasse um contraponto a
teoria. Se quanto mais gelo a Terra têm, mais fria ela fica, como as
temperaturas conseguiram aumentar e se tornarem amenas de novo?
A resposta para essa pergunta está nos vulcões. O gelo é
capaz de cobrir apenas a superfície da Terra, mas o interior continua
absurdamente quente, fazendo com que, desse modo, os vulcões sobrevivessem ao
congelamento. Entretanto, não foi a lava que derreteu o gelo. A quantidade de
magma que foi expelida pelos vulcões da época não é suficiente para derreter o
gelo que cobria completamente o planeta.
O real responsável para a mudança climática do mundo
(assim como hoje), foi o gás carbônico. Vulcões expelem gás sempre, e o
principal gás expelido é o CO2, responsável pelo efeito estufa — que
mantém a temperatura do planeta alta. Durante os 10 milhões de anos que duraram
essa glaciação, o gás se acumulou na atmosfera, chegando a representar 10%
dela. A título de comparação: hoje ele representa menos de 1%.
A água da chuva é capaz de limpar parte do gás carbônico
da atmosfera, mas como os oceanos estavam cobertos por gelo, não existia água
líquida para evaporar, então não chovia. Foi essa falta de chuva a responsável
pela acumulação. A temperatura da Terra aumentou novamente, ao ponto de ser
capaz de derreter o gelo.
Uma forte evidência da grande quantidade de dióxido de
carbono na atmosfera durante a glaciação é encontrada nos depósitos de tilito,
espalhados pelo mundo. Em muitos deles são encontradas camadas de calcário e/ou
dolomita (rochas carbonáticas) depositadas logo acima. Esse tipo de organização
é vista nos desertos da Namíbia, mas também é encontrada no Brasil. As bordas
dos grabens Pimenta Bueno e Colorado, ambos localizados na bacia Parecis, que
por sua vez se encontra no cráton Amazônico, apresentam esse tipo de depósito.
Contato entre diamictito glacial (sinônimo de tilito) - "glacial diamictite" e rocha carbonática - "cap-carbonate". Fonte: snowballearth.org |
Contra-argumentos
da biologia:
A teoria finalmente parecia estar correta, mas, ao ser
apresentada nas universidades, foi contestada por biólogos. Existiam evidências
no mesmo período da existência de cianobactérias nos oceanos, seres-vivos que precisam
da luz solar para realizar fotossíntese. Com os oceanos completamente cobertos
por uma grande camada de gelo, a luz solar não seria o suficiente para a
geração de energia.
O astrobiólogo Chris McKay, especializado em seres vivos
que vivem em ambientes extremos, decidido a descobrir se a sobrevivência das
cianobactérias seria possível em uma Terra congelada, viajou até os polos para
estudar as cianobactérias dos oceanos cobertos de gelo que ainda existem hoje.
O resultado foi que, não só as cianobactérias, como outros seres vivos, a
exemplo de alguns tipos de algas, eram capazes de sobreviver nessas condições
extremas.
Conclusão:
A Teoria Snowball
ainda é somente uma teoria, mas apresenta evidências claríssimas de que pode
ser uma realidade. É muito respeitada no meio geológico e os estudos devem
evoluir ainda mais para uma resposta definitiva.
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Referências:
http://www.bbc.co.uk/science/earth/earth_timeline/snowball_earth
Acessado em: 08/06/2018
https://www.britannica.com/science/ice-age-geology
Acessado em: 08/06/2018
https://www.britannica.com/science/glacial-stage Acessado
em: 08/06/2018
http://sigep.cprm.gov.br/glossario/verbete/matacao.htm
Acessado em: 10/06/2018
http://www.snowballearth.org Acessado em: 10/06/2018
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0895981116302346Acessado
em: 10/06/2018
PRESS, Frank; SIEVER,
Raymond; GROTZINGER, John; JORDAN, Thomas H.Para Entender a Terra.4aedição. Porto Alegre: Bookman,
2006.
Artigo escrito por Isabel Schulz e revisado por Isabela Rosario
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