Geomorfologia eólica: dinâmica das dunas - Sobre Geologia

02/06/2019

Geomorfologia eólica: dinâmica das dunas




Com uma área mais extensa que o Brasil, o Sahara é, sem dúvida, um dos lugares de mais antiga habitação e passagem de hominídeos. A densa floresta tropical, onde populações humanas viveram por muitas gerações, há cerca de 10 mil anos, finalizou seu caminho a se tornar o maior deserto fora dos polos. Terminava a última fase glacial, e a partir daí, processos totalmente diferentes governariam a paisagem da região. Nessa transformação, além das árvores e da fauna, o Nilo perdia protagonismo, entrava em voga a ação de outra força: O vento. As montanhas de areia geradas por processos eólicos, móveis ou estáticas, são chamadas de Dunas. E também, são o tema do artigo de hoje.

Dunas no Marrocos. Imagens de bancos de imagens
Introdução
Para entender a formação e comportamento dinâmico do ambiente de dunas, é preciso pensar a atuação do vento, seu agente deposicional, em seus diversos aspectos.
O vento, naturalmente, tem sua capacidade de transporte ligada à velocidade e constância com que atua. Não consegue, geralmente, transportar rochas inteiras, matacões ou seixos; transporta mais facilmente sedimentos finos e secos. Essa particularidade seleciona o tipo de sedimento que será percentualmente dominante nos depósitos eólicos,  e o clima preferencial. Os sedimentos de tais depósitos tendem a ser silicosos; regra à qual fazem exceção (Grotzinger, 2014) alguns depósitos com predominância de calcita (CaCO3) - e.g origem biogênica em ilhas no Pacífico - e outros de gipsita (CaSO4• 2H2O) - e.g. de origem evaporítica no Novo México. Seus ambientes são de clima semiárido a árido; com a exceção que conhecemos dos ambientes de anterior deposição lagunar, fluvio-deltaica ou praial, nos quais os sedimentos finos e secos abundem.

Fluxo de sedimento e saltação

Pode-se ressaltar a relação fluido-sedimento, que gera fenômenos como fluxo de sedimentos e saltação. O fluxo de sedimentos pré-selecionados por sobre a superfície trazem uma nova personagem a nossa trama: areação ou sandblasting; uma espécie de jateamento natural pela qual os grãos mais densos - não levados pelo vento - vão passar nesse ambiente. A abrasão é exponencialmente aumentada pela fricção incessante do fluxo, esculpindo-lhes de praxe uma feição mais arredondada, desenhos ondulatórios superficiais e uma aparência opaca e lisa. São ventifactos. Num local antropizado, até em praias, os cacos de garrafas de vidro se tornam quase inindentificáveis.
Ainda seguindo a tudo que se desdobra da incompetência de transporte pesado pelo vento, a erosão seletiva que forma os depósitos, pode deixar no local por onde passa a deflação.
Os sedimentos de maior granulometria deixados formam uma camada superficial plana - um pavimento - que retarda longamente a erosão pelo agente em escalas milenares.
Dunas do Istmo da Curlândia. Kaliningrado. Rússia. Imagens de bancos de imagens
O lugar para ver todas as feições que a ação das massas de ar podem ter é certamente o deserto. Lá é onde mais se desenvolvem as dunas, formas características e fugazes, facilmente identificáveis. São responsáveis pela movimentação turística em diversos pontos do globo, porém o ambiente em que se encontram se torna bastante inseguro à habitação em certo sentido; se móveis, as dunas pode soterrar pessoas e casas, obliterar caminhos e assorear rios; exigindo até mesmo políticas públicas relacionadas.
Elas têm mais uma peculiaridade. A energia para remover um grão por saltação no sentido da corrente é bem menor do que a necessária para mantê-lo no alto, no que seria um
fluxo. A saltação é, portanto, o processo mais ativo de erosão do vento; indicando-nos que a origem das areias de depósitos não pode ser muito afastada, o que pode resultar falso.
Depósitos quilométricos, desérticos, como o Sahara, contam com acepção de material ultramarino  e correntes de ar macroescalares.

Areia sobe e desce

Como já foi observado, as dunas nem sempre estão paradas. É de se supor, por sua origem que surjam móveis. Quanto à gênese das dunas pode ser considerada a interferência de um obstáculo; obstruindo, por consequência, bifurcando o caminho do vento e gerando uma área sem fluxo no ponto oposto ao que recebe o vento.
Mas a recém-formada segue em movimento na direção e sentido do vento - isso é especialmente notável se o vento tem uma direção preferencial ainda que com variação diária ou sazonal.
A parte da duna na qual o vento sopra diretamente chama-se barlavento, enquanto a face oposta recebe o nome de sotavento. Barlavento é menos inclinada que sotavento, gerando formatos assimétricos; e uma consequente migração de grãos da base de barlavento para sotavento.
À medida que mais areia se acumula na encosta do barlavento da duna, ela cresce em altura. A duna para de crescer quando a velocidade com que os vento traz os grãos de barlavento ao cume é a mesma com que os grãos deslizam para sotavento. Em ambientes propícios, as dunas podem alcançar muitos metros de altura .

A duna 7 na Namíbia chega a mais de 300 m de altura de pura areia.

As dunas avançam a partir do movimento de cada grão. Os grãos no barlavento são levados ao topo da duna pelo vento e depois de acumular a certo ponto são puxados pela gravidade em deslizamento de massa para a base de sotavento. Assim o corpo todo lentamente avança no sentido do vento, o que se evidencia quando os ventos têm direção constante ou preferencial.

Formato das dunas

Há um equilíbrio entre a altura da duna, a quantidade de sedimento disponível e a velocidade do vento. Esse mesmo equilíbrio gera variação nas formas de duna que, a propósito, são quatro:

Desenho esquemático: Dunas barcânicas - (Grotzinger, 2014)


As dunas barcânicas têm concavidade bem fechada, cujos braços (original horn: chifre) se voltam no sentido do vento. São produto de um depósito com pouca disponibilidade de areia - sendo, por vezes, encontradas sós ou bem espaçadas - e ventos unidirecionais. Não há quem passeie por Santo Amaro do Maranhão, lá nos lençóis maranhenses, em meio aos slacks - os vales de dunas - e topos da paisagem incomensurável; e não perceba que há algo de específico na forma em que elas se organizam.
Dunas em Santo Amaro do Maranhão
https://bianchini.blog/category/santo-amaro-do-maranhao/
 Esse tipo de duna, no Brasil setentrional está associada a vegetação transicional de cocais, às vezes a vegetação de cerrado, agreste ou halófitas e psamófitas. Assim não raro são estacionárias pela ação da vegetação que ajudam a desenvolver solos e fincam suas raízes gerando coesão e umidade. Entre as quais a mais alta do mundo a Cerro Blanco em Nazca, Peru, que atinge 1176 m da base ao topo - com uma base rochosa, no entanto.

Desenho esquemático: Dunas blowout - (Grotzinger, 2014)

As dunas blowout têm os braços voltados no sentido oposto ao vento, evidenciando um processo de escavação, lógica reversa a das dunas barcânicas. É o caso das dunas que predominam no Estado do Rio Grande do Norte, também ocorrem  Rio Grande do Sul, ambas associadas a bacias de deflação pleistocênicas. (Portz, 2014).


Desenho esquemático: Dunas transversais- (Grotzinger, 2014)

As dunas transversais têm seus cumes orientados perperndicularmente à direção do vento. Elas se formam em locais com alta disponibilidade de grãos e vegetação rarefeita, relacionadas também a fortes ventos continentais.
Desenho esquemático: Dunas longitudinais - (Grotzinger, 2014)

As dunas longitudinais têm orientação paralela ao vento, alcançam grandes alturas e se extendem por muitos quilômetros. Associam-se a um substrato em pavimento e ventos unidirecionais.

Paleodunas

Como se sabe, as dunas compõem sistemas e se interferem frequentemente, isso é responsável pela formação da estratificação cruzada em que os estratos apresentam diferentes atitudes apesar de estarem sobrepostos. Essa feição, informa-nos o comportamento do vento no ambiente; ainda mais, se presente numa rocha, traz informações sobre paleoambientes. As rochas recentes, outrora dunas, são chamadas de paleodunas.
As paleodunas em ambientes hoje improváveis como nas planícies fluviais umidíssimas do Rio Negro (Capurucho, 2012), denotam, por exemplo, uma variação recente de clima. Na transição Pleistoceno-Holoceno (~11.700 AP) o Sahara por exemplo, avançara sobre extenso território, há depósitos eólicos difusos na Ásia leste. A presença dessas geomorfofácies em ambientes tão distoantes indica uma variação climática ao longo do tempo, um período de pouca umidade, relacionado ao último período glacial.

Marte
Com o mesmo princípio usado para interpretar ambientes temporalmente diversos, podemos interpretar ambientes espacialmente diversos. Esse é o caso de Marte, a 54.6 milhões de quilômetros da Terra, mas dividindo características símiles que permite aos especialistas extrapolar as análises e fotointerpretar, a partir de imagens de satélite e dos rovers que por ali já conseguimos fazer pasar.
Marte tem um clima hoje sem água no estado líquido na superfície, tem como agentes exógenos proeminentes o gelo e o vento.


Dunas barcânicas em Marte
Os processos eólicos dominam as feições geomorfológicas do Planeta Vermelho, e isso inclui a cor de sua atmosfera, rosada pela dimensão do processo de fluxo de sedimentos gerado pelos ventos de tempestade que chegam a 108 km/h com variação sazonal.

duna barcânica azul-turquesa na Cratera de Lyot, Marte

fonte: https://www.nasa.gov/image-feature/jpl/once-in-a-blue-dune

As dunas têm composição geral hematítica, basáltica. Existem dunas azul-turquesa e castanho-alaranjadas, estacionárias ou móveis de diversos formatos, algumas estacionadas por glaciações sazonais ou perenes. Paleodunas com estratificação cruzada também foram identificadas, permitindo-nos conhecer um pouco da história geológica do planeta.

Conclusão
Neste artigo, fizemos uma viagem perseguindo a atuação eólica para entender sua natureza e força. Ela nos levou desde as dunas das praias do nordeste brasileiro e da amazônia, à Tunísia e até Marte. E ela pode nos levar muito mais além, possa nossa mente e tecnologia compreender e catalogar realidade longíquas.


Estranhas dunas em Titã, lua de Saturno.
fonte: Joyce Morse em https://br.pinterest.com/pin/252060910369108638/?lp=true

Escrito por Felipe Limoeiro

Referências:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Deserto_do_Saara
https://www.apolo11.com/curiosidades.php?posic=dat_20061011-120632.inc
http://www.cpgg.ufba.br/lec/dunas.htm
TEIXEIRA, Wilson. Decifrando a Terra. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009. 623 p. ISBN 9788504014396.
FILHO A.C, SCHARTZ D., TATUMI S.H., ROSIQUE T. Amazonian Paleodunes Provide Evidence for Drier Climate Phases during the Late Pleistocene-Holocene. Quaternary Research, 2002, pgs. 205-209.
TOMAZELLI L. O Regime dos Ventos e a Taxa de Migração das Dunas Eólicas Costeiras do Rio Grande do Sul, Brasil. UFRJ, Pesquisas em Geociências.1993.
SANTOS, J. H. S. Modelo evolutivo do campo de dunas do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. X Congresso Brasileiro da ABEQUA, MA/Brasil. 2005.
GROTZINGER, John. JORDAN, Thomas H. Understanding Earth. 7th. ed. New York: W. H. Freeman and Company, 2014, 532-540 p. ISBN: 9781464138744
MENDONÇA, Bruno Araújo Furtado de - Campinaranas Amazônicas: pedogênese e relação solo-vegetação. Universidade Federal de Viçosa, MG;Brasil. 2011.
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CAPURUCHO, João Marcos Guimarães. Filogeografia e fenética da paisagem para compreender a evolução de Xenopipo Atronitens (Aves; Pipridae), uma espécie característica das Campinas Amazônicas. Manaus/Brasil. 2012.

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