As fontes de água da cidade de Salvador - a geologia que fez a cidade nascer capital - Sobre Geologia

28/07/2019

As fontes de água da cidade de Salvador - a geologia que fez a cidade nascer capital


No abrir e fechar de torneiras para lavagem de roupas, louças e escovação de dentes; no abrir e fechar de chuveiros para os banhos; no uso da mangueira para regar as plantas… Para tudo se usa a água canalizada! Com o advento das estações de tratamento de água e a facilidade, nos grandes centros urbanos, de obtê-la, acabamos refletindo pouco sobre a realidade que antecede esse cenário. Antes disso, como vivíamos e de que forma a obtínhamos? 
Com um foco para a Cidade de Salvador, capital da Bahia, iremos falar de uma das mais amplas formas de obtenção de água nos tempos de colônia - que ainda sobrevive em alguns pontos da cidade- : as fontes. Além dos aspectos históricos e sociais, abordaremos as condições geológicas que propiciam a sua presença abundante na cidade. 
Mapa das fontes da cidade de Salvador. Em azul, com vazão; em verde, com vazão, mas não analisada e, em vermelho, sem vazão. Fonte: Tourinho, 2008, adaptado de CONDER, 2003. Disponível em:https://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/viewFile/19565/16328 

Da colônia até o agora 

Quando pensamos nos motivos que fizeram com que Salvador virasse a capital da metrópole portuguesa, pouco se fala sobre a procura por riqueza hídrica, principalmente na forma de fontes, como era vontade do rei de Portugal e foi explicitado nas palavras de Tomé de Souza: 

(...) na sua procura de um bom lugar para a povoação grande e forte, conseguiu encontrar “um monte que tinha para o lado de terra um ribeiro bem farto e numerosos olhos d’água nas encostas, condição essa muito vantajosa, pois havia que contar com muita água para os gastos caseiros e ainda o preparo da argamassa das taipas com que se fariam as casas, a cerca e os baluartes (PMS/FGM. Regimento do Governador e General Tomé de Souza, Salvador, 1998). (BOCHICCHIO 2003). 
Sendo assim, a água que brotava espontaneamente das rochas era utilizada no cotidiano dos moradores da cidade. Cenas de escravizados indo buscar água nos mananciais para os seus “senhores” e a presença de lavadeiras nesses pontos eram rotineiras. Entretanto, com o crescimento demográfico e, também, pela poluição dessas fontes, em virtude da falta de informação, principalmente, o Estado buscou outros aparatos para que a água pudesse ser consumida de maneira mais cômoda, abrangente e higiênica. Daí vieram os primeiros chafarizes e, posteriormente, a canalização da água. Com as inovações tecnológicas, as fontes foram esquecidas e se tornaram pontos invisíveis da cidade de Salvador. Lugares que poderiam representar o que se entende por “baianidade”, se tornaram ambientes para despejo de efluentes, lançamento de resíduos sólidos, moradia para pessoas em condição de risco, entre outros.
Essa visão, no entanto, pode ser errônea, porque muitos grupos- marginalizados, em sua maioria- ainda utilizam do potencial hídrico das fontes para atividades domésticas, atividades econômicas (lavagem de carros, por exemplo) e até consumo próprio. Esse cenário infelizmente não muda o descaso dos governantes acerca das fontes, principalmente por que essa população não pertence às classes altas da cidade.

Como a geologia de Salvador propicia a presença de fontes?
A maioria das rochas que “oferecem” água na cidade de Salvador são metamórficas, o que gera um estranhamento: que característica esses corpos rochosos possuem para justificar a presença das fontes? Elas não são porosas ou permeáveis, como poderíamos inferir, mas possuem um diferencial: as fraturas. 
Salvador se localiza no chamado Orógeno Itabuna-Salvador-Curaçá, que é uma região que estava no centro de uma convergência de massas rochosas muito antigas (arqueanas), formando um relevo acidentado e muito fraturado. Esse orógeno encontra-se erodido, mas as fraturas ainda permanecem como lembrança desses tempos de alto metamorfismo. 
Tendo esse cenário em vista, as rochas fraturadas repletas de água, quando saturadas, fazem com que a água “brote” espontaneamente. Além desse tipo de fonte, também temos, na cidade, as fontes de contato, que, como o próprio nome indica, advém do acúmulo de água nos contatos entre as rochas, e as de fundo de vale, que acontecem quando o ponto mais fundo do vale intercepta o lençol freático, ocasionando uma saída da água.
       
Representações dos tipos de fontes: de contato, de fratura e de fundo de vale, respectivamente Fonte: LIMA (2005).

Algumas das fontes de Salvador:
Fonte da Nossa Senhora da Graça
   
Fotos da fonte da Nossa Senhora da Graça, tanto do arcabouço, quanto da água. Fonte: Autoria própria.

Localizada no bairro da Graça, em Salvador, essa fonte é do tipo “fundo de vale”. Para a captação dessa água, foi construída um sistema de galerias, aproveitando a água subterrânea (SANTOS, 1978). Sugere-se que tenha sido construída pelo português Diogo Álvares Correia, conhecido como Caramuru, nos tempos de Brasil Colônia. Há, também, uma lenda que diz que a índia Catarina Paraguaçu (esposa de Caramuru) se banhava nas águas dessa fonte, o que deu origem ao nome da praça que abriga essa fonte, chamada de Praça Catarina Paraguaçu. 
Hoje, a água encontra-se imprópria, bastante contaminada por resíduos sólidos e repleta de girinos. Moradores relatam que o lugar serve de esconderijo para assaltantes da região da Graça.

Fonte da Pedreira 

 
Visão da fonte e do afloramento de rocha no local. Cabo do martelo apontando para o Norte (foto da direita). Fonte: Autoria própria.

A fonte da Pedreira, que é uma fonte de fratura, possui água jorrando espontaneamente da rocha, através de quatro tubos de policloreto de vinila (PVC). Diferente da fonte da Nossa Senhora da Graça, essa possui rochas aflorantes. Os moradores a usam para lavagem de carros, roupas, além do consumo para banhos, produção de alimentos e a própria ingestão.

Artigo por Maria Clara Ramos

Referências:
SANTOS. Maria Elisabete Pereira. et al. O Caminho das águas em Salvador: Bacias hidrográficas, bairros e fontes. Secretaria do Meio Ambiente-SEMA, Salvador, v.1, p.1-486, 2010.
De Oliveira Tourinho, Aucimaia. Estudo histórico e sócio-ambiental das principais fontes públicas de Salvador. 2008. 155f. Dissertação de mestrado. Universidade Federal da Bahia. 2008
Nascimento, Sérgio Augusto De Morais; Barbosa, Johildo Salomão Figueiredo. Aspectos Hidrogeológicos do Alto Cristalino de Salvador, Bahia. Revista Plurais. Salvador. V.1. p. 144-158. jan/abr. 2010
Costa, Maria Clara Ramos; da Cruz, Maria Eugênia Batista. Caracterização ambiental e histórica das fontes de água no entorno do Barbalho - Salvador - Bahia. Relatório final de programa universal. Instituto Federal da Bahia (IFBA). Salvador, 2018.


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