Qualidade das águas subterrâneas — uso e gestão - Sobre Geologia

01/07/2019

Qualidade das águas subterrâneas — uso e gestão

Águas subterrâneas representam uma grande parte da água doce que há disponível no planeta, e sua explotação é de grande importância para o comércio da água mineral e para a dessedentação de áreas onde a água superficial é reduzida. No artigo "Aquíferos e águas subterrâneas", falamos sobre essas reservas, definições e características. Já no artigo de hoje, vamos abordar a qualidade das águas subterrâneas — um aspecto tão importante quanto o aspecto quantitativo.

Poços jorrando água subterrânea. Foto: Otávio Nogueira/ Flickr 55953988@N00
Como foi abordado no artigo anterior, águas subterrâneas, por definição:

    São águas de subsuperfície. É evidente que toda água de subsuperfície é na prática subterrânea, mas para a hidrogeologia “água subterrânea” é aquela  que circula na “zona saturada”, ou seja, abaixo do nível freático, representando 21% do total da água doce do planeta ou 97% da água doce não congelada (Dunne e Leopold, 1978).

Assim sendo, as águas subterrâneas representam a água que, durante o ciclo hidrológico são infiltradas e preenchem os poros ou vazios intergranulares da subsuperfície, como em rochas sedimentares, além de falhas e fraturas e capilares. Essa água desempenha um papel importante na umidade do solo, também influenciando no fluxo de rios, e volume em reservas superficiais. Em aspectos quantitativos, essas águas representam a maior parte da água doce não congelada, e são uma importante fonte para consumo humano e animal, irrigação, etc.

Distribuição de águas no mundo. Gráfico retirado de: http://www.daebauru.sp.gov.br

No que se refere à sua exploração, segundo Leal (1999), está condicionada a três fatores: quantitativos, qualitativos e econômicos. Qual a velocidade de recarga, quanto de volume de água há no reservatório — são informações ligadas à fatores quantitativos. A profundidade da reserva, a taxa de bombeamento, são alguns fatores econômicos, uma vez que furos de perfuração se tornam cada vez mais custosos com o aumento da profundidade.
A qualidade da água subterrânea leva em consideração não somente os aspectos físico-químicos, biológicos e radiológicos da água, mas também qual será sua finalidade. É importante conhecer os componentes dessa água, e quais os efeitos esses componentes causam, dependendo do uso que se pretende — consumo humano, animal, irrigação, indústria, urbano, recreativo, etc.
Os fatores que determinam o aspecto qualidade dessas reservas podem ser tanto externos quanto internos — desde contaminação antrópica até à idade do manancial subterrâneo, e o tipo de rocha no qual o aquífero está inserido. Com o tempo, o fluxo e o contato da água com a rocha, há um aumento na concentração de substâncias dissolvidas, que podem ser nocivas ou não, dependendo do uso desejado.

Impactos e Contaminação das Águas Subterrâneas

É possível apontar um crescimento da demanda por água com o avanço das cidades e da indústria, e como essa dinâmica influenciou a qualidade das águas, tanto superficiais quanto subterrâneas. Apesar dos aquíferos serem menos expostos à contaminação, devido à sua localização em subsuperfície e a lentidão do fluxo de água, a renovação e descontaminação desse recurso é muito mais complicado, e pode levar anos, com custos elevados. Além disso, a contaminação pode afetar rios e lagos cuja recarga tem influência de mananciais subterrâneos.
O líquido lixiviado de resíduos sólidos infiltra no solo,
contaminando o lençol freático. Arte por: Marina Martins
Zonas urbanas são muito afetadas pela contaminação das bacias hidrográficas e dos aquíferos, além da impermeabilização das zonas de recarga com asfalto e concreto. Com o aumento da área urbana, as zonas de recarga dos aquíferos dessa bacia ficam cada vez menores em área, o que tende a suprimir aquíferos urbanos. Quanto à contaminação nessas zonas, temos esgotos e fossas sépticas, por exemplo. O lançamento de efluentes líquidos diretamente no solo  e na água resulta na infiltração de matéria orgânica, como bactérias, coliformes fecais e outros organismos patogênicos, além de metais pesados. O mesmo vale para resíduos sólidos descartados no solo, como em lixões à céu aberto, com a infiltração do chorume — líquido poluente originado do processo de decomposição de resíduos orgânicos. Por isso, quando são realizados testes químicos da qualidade da água de um aquífero, se confere a taxa de coliformes fecais e matéria orgânica dissolvidos. Mesmo cemitérios podem ser fonte de contaminação de reservas de subsuperfície, com os processos de decomposição, que geram necrochorume e outros resíduos, que podem ser patológicos.
Além disso, atividades agrícolas, nas zonas rurais, também podem apresentar risco de contaminação do lençol freático, especialmente com o uso de fertilizantes  químicos e agrotóxicos. Somando produtos do tipo com a irrigação, substâncias como nitratos e metais pesados percolam pelo solo, infiltrando e contaminando a água, tornando-a imprópria para consumo humano. 
A mineração também pode interferir na qualidade da água e do aquífero em si, podendo contaminar a água, rebaixar o nível freático, impermeabilizar zonas de recarga, entre outros. Muitas vezes, no entanto, essa água é utilizada na própria extração, ou como usada no processo de recuperação de área degradada quando há exaustão da mina.
Até mesmo um poço mal construído pode afetar na qualidade da água de um aquífero. Tamponamento mal feito, que pode criar novas vias de contaminação, ou uma completação feita com materiais que podem contaminar a água à longo prazo — por isso deve-se ter critérios técnicos adequados ao lidar com essas reservas, e poços devem ser planejados com estudos geológicos e hidrogeológicos antes de serem implantados.
Nos testes químicos feitos para avaliar a qualidade da água de aquíferos, é comum que se avalie a concentração de substâncias mais amplas, como nitratos, cloretos, ácido carbônico e coliformes fecais. Não costuma-se buscar a concentração de, por exemplo, elementos radioativos, se não houver uma geologia local ou uma suspeita de que essa água possa conter tal concentração.

Legislação sobre Águas Subterrâneas

As águas subterrâneas são, segundo a Constituição Federal de 1988, artigo 20, inciso IX, um bem mineral e de domínio da União. Diversas leis de regulamentação da água e do meio ambiente se aplicam sobre elas, sendo a chamada Lei das Águas uma das principais.  Trata-se da Lei N° 9.433, de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos.
Segundo essa lei e essa política, a água é um bem de domínio público, natural e limitado, dotado de valor econômico. Em caso de escassez desse bem, a prioridade do uso é o consumo humano, e dessedentação de animais, e a gestão da água deve ser participativa e integrada, e sempre proporcionar usos múltiplos: consumo, pecuária, agricultura, etc. 
Com essas determinações, a política foi instaurada com o objetivo de proporcionar um uso racional e integrado dos recursos hídricos, e assegurar a disponibilidade da água com qualidade adequada para as gerações atuais e futuras. Apesar da lei não ser especialmente focada nos mananciais subterrâneos, sua regulamentação afeta diretamente esse recurso, decidindo o que constitui infração quanto ao seu uso, sobre sua gestão, entre outros. A Lei das Águas também mostra sua importância ao determinar a bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento. Com isso, as políticas e estudos podem ser aplicados mais diretamente.

Conclusão

Águas subterrâneas representam uma grande parte da água doce não-congelada que temos disponíveis no planeta, no entanto, seu uso e gestão estão diretamente associados à fatores além da quantidade disponível. É importante preservar a qualidade dos aquíferos, mesmo que sejam menos suscetíveis à contaminação do que as águas superficiais, como rios, lagos e lagoas, uma vez que o processo de descontaminação é muito mais lento e mais caro.
É possível que, em muitos casos, os aquíferos sejam uma resposta para o abastecimento de água potável, além de sua grande importância dentro do ciclo hidrológico. Gerir esse bem público é responsabilidade de todos — e deve-se cuidar para que possa continuar sendo, para essa geração e as próximas. 

Referências

http://www.abas.org/aguas-subterraneas-o-que-sao/
FERNANDO A. C. FEITOSA; JOÃO MANOEL; EDILTON C. FEITOSA; JOSE GEILSON A. DEMETRIO. (Org.) HIDROGEOLOGIA CONCEITOS E APLICAÇÕES 3ª EDIÇÃO - REVISADA E AMPLIADA. 3ed. RIO DE JANEIRO: CPRM - SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL, 2008
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm
http://www.mma.gov.br/estruturas/167/_publicacao/167_publicacao28012009044356.pdf

Artigo escrito por Isabela Rosario

Nenhum comentário:

Por favor, duvidas, sugestões e comentários construtivos serão sempre bem vindos!