Geologia Planetária II: A lua - Sobre Geologia

25/08/2019

Geologia Planetária II: A lua


É certo que a Lua, desde o alvorecer da humanidade, já nos rendeu a semana, o mês (do latim mensis, raiz compartilhada com o inglês moon, month), vários conceitos e numerosas divindades. Mas o que ninguém poderia imaginar até pouco tempo atrás é que ela nos renderia toda uma nova área na geologia: a Selenologia.
imagem da Lua (Getty Images)
Já falamos sobre o caminhar das ciências da Terra para fora da Terra, e essa é uma vertente que se define com cada vez mais propriedade. A selenologia é a ciência que estuda a história, estruturas geológicas, composição e formas de relevo de nossa lua. É importante lembrar que é o único dos grandes corpos celestes de que temos amostras na Terra. 
As diferenças mais gerais no que tange à abrangência dos processos geológicos que lá ocorrem, residem principalmente nas ausências de atmosfera significativa, diferenciação de placas tectônicas e na baixa gravidade (de apenas 1,62 m/s², compare com a Terra 9,807 m/s²). Onde a erosão eólica e fluvial não atuam, no entanto, outros processos serão responsáveis pelo retrabalhamento supergenético.


Origem


A lua, que há mais de 4 G.a (bilhões de anos), orbita  a Terra tem origem incerta, mas quatro hipóteses são veiculadas em meio científico sobre sua origem.
Banco de dados: Um exemplo de um mare lunar
Uma hipótese é que a Terra teria capturado um corpo celeste em sua órbita. Mas, levando em conta a semelhança composicional entre os astros, foi possível gerar outras possibilidades. A singênese dos astros — Lua e Terra formados ao mesmo tempo — e a possibilidade de a rotação acelerada ter arremessado material da Terra para fora de sua atmosfera.
A hipótese mais aceita é a do grande impacto (big splash theory ou Giant impact theory — com ressalva para o conceito de teoria). De acordo com Ralf Jaumann, geólogo planetário do  Deutsches Zentrum für Luft und Raumfahrt (DLR), há cerca de 4.5 G.a, no início da formação da Terra, um outro corpo planetário em formação do tamanho de Marte, chamado Theia, se chocou contra a proto-Terra — com aproximadamente metade de sua massa atual — em ângulo oblíquo,  e o impacto teria arremessado material rochoso para fora da atmosfera, material que depois se agregou, formando um corpo único, a nossa Lua. 
Tamanho impacto, certamente, modificaria a o estado dinâmico, químico e térmico, e esse tipo de evidência é procurada pelos cientistas. A hipótese também sugere que o núcleo do astro impactante teria se fundido ao terrestre e que o material formador da lua seria originário dos mantos de ambos os corpos. Esse modelo é interessante, pois é compatível com outros estudos de mesmo objeto, como o modelo de estocástico acreção da Terra (Wetherill, 1985), o momentum angular entre os corpos, a similaridade excêntrica nos percentuais de isótopos de oxigênio  e uma anomalia de tungstênio-182, detectada recentemente no sistema Terra-Lua.


Composição
Camadas da lua (National Geographic Portugal)

A lua é diferenciada em três camadas principais, como a Terra:
 O núcleo da lua compõe 1 a 2% de sua massa - compare com a Terra 32,5% - ele tem 330 km é provavelmente constituído de ferro e enxofre, separado em interno e externo, o externo líquido, seguindo as mesmas regras quimiofísicas que conhecemos da estrutura terrestre. 
Em redor do núcleo, se concentra uma camada em fusão parcial de 150 km, que se diferencia e, em seguida, 1200 km de manto. O processo de diferenciação magmática gerou camadas inferiores com alto percentual de olivinas e piroxênios. Apenas na parte mais superficial do manto, toma lugar um percentual mais expressiva de plagioclásios e compostos com elementos incompatíveis. Assim, boa parte da crosta é composta por anortosito, de acordo com o mapeamento geoquímico (Korotev et al, 2006).
Comparando a diferenciação terrestre e lunar, pode-se perceber porque se atribui a formação da lua a parte do manto, a diferenciação lunar parece bastante  restrita e semelhante à que ocorre no manto terrestre, até mesmo no padrão de depleção metálica (Canup & Righter, 2000). A lua tem, também, uma densidade de 3,3 g/cm3, muito mais baixa que a de 5,5 g/cm3 da Terra. 


Escala do tempo e geomorfologia

Banco de dados. Faces da luas
De 4.5 bi A.P a 3.92 bi A.P, a lua viveu o período prenectárico. É nesse período que a Lua passa de grande massa em fusão a corpo rochoso diferenciado — processo paralelo ao da Terra e de outros corpos rochosos. Estima-se que, por volta de 4.2 bilhões A.P., a crosta endurecida da Lua já estava formada. Ela era impactada frequentemente por diversos corpos celestes, e isso se relaciona com a juventude do sistema solar, com órbitas ainda não tão nítidas e límpidas. Esse processo também é responsável por perda de voláteis para o espaço, entre eles água.
O período nectárico é curto, entre 3.92 bi a 3.85 bi A.P,e  seu início é marcado pelo impacto Nectaris, formação da bacia de impacto e preenchimento do Mare Nectaris. 
Os métodos de fotointerpretação em diferentes ondas eletromagnéticas têm auxiliado, mas o astrônomo Van Lagren já observara grandes planícies escuras e as chamou de mares, não por acaso, hoje, chamamos mares ou maria (plural de mare). Têm composição basáltica e são as rochas relativamente mais novas de formação endógena, datam de 3,16 g.a. Algumas diferenças dos basaltos terrestres são: o elevado percentual potássio, e em algumas também de titânio, e a inexistência de minerais hidratados ou hidrotermalismo.  A lava basáltica suscitada pelos impactos de asteroides e meteoritos é fluida e tendeu, por isso, a escorrer por vastas áreas e formar horizontes estratigráficos — os maria ocupam 31% da superfície selene — preenchendo as próprias bacias de impacto. À beira dos maria, geralmente se encontram vulcões-escudos, as elevações altimétricas foram geradas também pelos impactos.  
Apesar de curto, o período nectárico, concentrou ainda uma grande quantidade de impactos, de modo que, muitas das crateras hodiernas datam desse período, após o qual a frequência foi radicalmente reduzida.
  Ele é seguido pelo Ímbrico, no qual se forma a bacia Imbrium. O impacto teve notável repercussão (o asteroide tinha cerca de 100 km de diâmetro) e gerou não só o Mare Imbrium, mas falhas e derramamentos de lava em todo o satélite. O último grande impacto forma o Mare Orientale, e mesmo as bacias formadas em períodos anteriores foram sucessivamente preenchidas pelos mares basálticos em pulsos, origens, composições e temperaturas diferentes.
As formas da lua, para além desses mares e das bordas de bacia, eram grandes planaltos de idade prenectárica e montanhas. Mas no período Erastoteniano,  que começou há 3.2 G.a, após a formação da cratera Erastótenes, a atividade de meteoros e derramamentos foi gradativamente diminuindo. Contudo, não deixaram de modelar a superfície lunar em geral, obliterando os processos pretéritos e erodindo as feições de maior altimetria.
Neste período, a pulverização começa a construir verdadeiros estratos friáveis sobre as rochas, os regolitos que — contra o que o nome sugere, não estão litificados — têm composição félsica. Sua espessura varia até 20 metros nas áreas altas. 
As rochas sob os regolitos se encontram altamente fraturadas, o que diminui inversamente proporcional à profundidade, mas numa escala quilométrica.
Há 0,81 g.a. com a formação da cratera Copérnico, começa o período Copernicano que se estende aos dias atuais, no qual a atividade geológica é comparativamente quase nula. Nos planaltos antigos, geralmente não se faz diferenciação entre materiais prenectarianos e nectarianos, sendo chamados de pré-imbrianos.
Recentemente, métodos geofísicos indicam, com elevado índice de certeza, a existência de água em forma de gelo na superfície lunar, em áreas permanentemente ocultas da radiação solar. Na mesma linha, a moganita foi encontrada, um mineral de sílica hidratada. 
A face oculta da lua não apresenta grandes áreas superficiais cobertas por crateras, a maior parte da crosta é constituída de uma outra feição geomorfológica denominada terra (plural: terrae). Essas feições, datadas de 4,4 bilhões A.P., são de maior altimetria e formadas predominantemente de plagioclásio. Elas não são resultados dos processos endógenos semelhantes aos que acontecem na Terra, já que a movimentação tectônica não existe. Essa dissimilação pode ser explicada pelo possível impacto de uma segunda lua ainda no período prenectárico.
De diferenciação magmática a uma segunda lua, a geologia complexa da lua é um objeto de estudo cada vez mais comum e instrumentalização. Convidamos os leitores a descobrir conosco o que mais de complexidade geológica pode haver por aí, separados de nós por uns quilômetros de vácuo.


Referências 


R. M. CANUP, K. RIGHTER. Origin of the Earth and Moon. University of Arizona Press. 2000. 
U. G. CORDANI. ANAIS DA 65ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC: O Oceano Atlântico e sua história geológica. Instituto de Geociências da USP. 2013.

Artigo escrito por Felipe Limoeiro

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