História da Geologia: a Origem dos Fósseis - Sobre Geologia

05/05/2019

História da Geologia: a Origem dos Fósseis

Dando prosseguimento à série História da Geologia, abordaremos questões subsequentes ao Renascimento, dando ênfase em uma problemática fundamental para a evolução da geologia enquanto ciência: os fósseis. A origem dos fósseis era um assunto de tamanho debate devido ao impacto que fora causado pelas consequências decisivas oriundas dessa discussão, que viriam a influenciar as crenças que eram até então predominantes na sociedade ocidental, as quais defendiam o criacionismo, em oposição ao evolucionismo, como modelo explicativo para a origem do mundo e do universo. Assim, desde a Idade Média ao Renascimento, este assunto vem sendo rodeado de tensões, bem como contribuiu na consolidação da geologia enquanto ciência moderna.

Fóssil marinho não especificado. Autor: Scott Koening. Fonte: https://flic.kr/p/JuXZvH

A Questão Central

A questão central foi delimitada com clareza pelo supervisor do Ashmolean Museum, Robert Plot, em 1705, afirmando o seguinte enunciado: 

As pedras que têm forma de concha são lapides sui generis, produzidas naturalmente por uma virtude plástica qualquer, latente na Terra ou na cavidade em que são encontradas? Ou devem sua forma e aspecto externo às conchas e aos peixes que elas representam e que foram transportadas para os lugares do descobrimento por um dilúvio, um terremoto ou outras causas?

Robert Plot. Fonte: By Sylvester Harding - British Museum [1], Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=14684100

Por se tratar de um tema muito denso de ser trabalhado e discutido na época em questão (Séc. XVIII), o registro dessa questão de forma clara e objetiva foi de fundamental importância para a evolução dos debates que circundavam o assunto, pois os desdobramentos desse impasse viriam a influenciar o futuro das geociências e da geologia, especialmente.


As Implicações das Teses na Sociedade

Havia um acirrado debate acerca dessa questão, pois os partidários da origem orgânica dos fósseis sabiam que, ao defender tal ideia, seriam interpretados como hereges pela sociedade. Isso ocorreria porque a tese da origem orgânica dos fósseis implica na problemática de reconhecer espécies já extintas, o que poderia ser interpretado como uma ruptura na "Grande Cadeia do Ser", ou seja, uma imperfeição na obra do Criador, um ser sobrenatural que teria originado todas as coisas, como defendido pelo criacionismo. Dessa forma, afirmar tal ideia era visto como uma negação ao Ser Divino até então acreditado pela maior parte da sociedade, sendo isso interpretado como um estímulo ao ateísmo.
Assumir que um animal houvesse sido extinto seria uma aparente afronta ao criacionismo. Fonte: https://m.megacurioso.com.br/dinossauros-e-fosseis/100323-vestigios-da-evolucao-5-dos-fosseis-mais-antigos-e-curiosos-ja-descobertos.htm

Por outro lado, os partidários da origem inorgânica dos fósseis tinham como ponto de partida as virtudes plásicas que moldam esses objetos, sendo isso concebido como uma propriedade da Natureza. Porém, essa tese também implicava em um confronto às crenças religiosas, pois ao afirmar isso, como poderiam ser explicadas determinadas formas que não possuem função alguma? Poderia isso ser resultado de meras semelhancas casuais entre os seres? Assim, a afirmação dessas questões também implicam na imperfeição da natureza, como ocorre na tese anterior, além de se constituir como uma crítica à teoria de Robert Hooke (1668), o qual afirmava que a Natureza não cria nada em vão.

Porque a natureza criaria uma feição como essa?
Essa é uma das questões enfrentadas pela tese inorgânica.
Fonte: https://alunosonline.uol.com.br/biologia/fosseis.html

Por isso, algumas linhas alternativas de explicação sobre os fósseis foram usadas para amenizar o impacto que ambas as teses provocariam na sociedade. Uma delas seria a defesa de John Ray, que em 1692 afirmou que as espécies que originariam os fósseis não eram extintas, mas sim espécies atuais ainda não descobertas que estariam localizadas em partes remotas do globo. A outra alternativa aceitava a ideia da extinção, porém assumindo o Dilúvio de Gênesis como evento responsável pela eliminação de seres pretéritos.

O Dilúvio Bíblico teria sido o evento responsável pela extinção das espécies de acordo com os criacionistas. Fonte: https://www.fatosdesconhecidos.com.br/7-supostas-provas-que-o-diluvio-biblico-realmente-aconteceu/


A Dicotomia da Natureza

Ao enfrentar esse dilema acerca da origem dos fósseis, percebe-se que o maior parâmetro usado pelos teóricos se tratava do comportamento da Natureza: imutabilidade ou dinamicidade? Tal questão e sua resposta vieram a fundamentar a base da geologia enquanto ciência moderna, como veremos nos artigos seguintes.

A primeira hipótese, que era a defendida durante toda a Idade Média, assumia a Natureza como uma série de formas e ordem de estruturas permanentes. Logo, com base nessa concepção, os fósseis seriam entendidos como pedras e objetos naturais mais estranhos que os outros, ou seja, seriam apenas observados.

Em contrapartida, a segunda hipótese afirmava que a Natureza era uma série de processos que ocorrem no decorrer do tempo, com um conjunto de estruturas apenas aparentemente constantes. Assim, os fósseis seriam vistos como documentos ou vestígios do passado, sinais de processos que se desenvolveram previamente, servindo então como registros da história do planeta, passíveis de serem interpretados, como o faz a paleontologia. Isso levaria a grande concepção de que a Natureza possui a sua própria história, ao invés de servir apenas como um lugar estático para que a humanidade sobreviva.

Paleontólogo em seu campo de trabalho. Fonte: https://m.blogs.ne10.uol.com.br/mundobit/2015/01/03/sos-dinossauros-sem-recursos-paleontologia-nacional-corre-perigo-de-extincao/

As Glossopetras

A resolução dessa dicotomia foi proposta pelo médico dinarmaquês Nicolau Steno em sua obra principal: Pródromo de uma dissertação sobre o sólido naturalmente contido no sólido, em 1669. Nessa obra, ele identificou que algumas formas antigas (denominadas de "glossopetras" = "línguas de pedra") na verdade eram dentes de tubarão, mediante uma dissecação que havia feito em um tubarão encalhado no mediterrâneo. 

Glossopetras. Fonte: Paul D. Stewart.
Disponível em: https://www.sciencephoto.com/media/431774/view/steno-s-shark-tooth-fossil


Com isso, Steno conseguiu conectar objetos aparentemente inúteis à um ser vivo atualmente existente, contribuindo para a corroboração da tese que defendia a origem orgânica dos fósseis. Assim, a partir das questões relacionadas à origem dos fósseis e as provas coletadas por estudiosos ao longo do tempo, a geologia foi ganhando respaldo enquanto ciência natural.

Referências

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. e-aulas: Portal de Videoaulas. História da Geologia 1: Da Grécia ao início do séc. XIX. Curso Evolução das Ciências II. Professora Silvia Figueirôa. Disponível em: <http://eaulas.usp.br/portal/video.action?idItem=214> Acessado em 17/03/2019.




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