Geomorfologia Glacial — A dinâmica das geleiras - Sobre Geologia

20/10/2019

Geomorfologia Glacial — A dinâmica das geleiras

A geomorfologia, como apresentado no artigo "Geomorfologia — Uma breve introdução", do Sobre Geologia,  é o estudo das formas da superfície terrestre. Ou seja, é a área das geociências que busca entender o relevo e suas dinâmicas, bem como sua relação com o clima, vegetação, sociedade, etc. Sendo dividida em estudos de diferentes ambientes terrestres, analisando as características específicas de cada um deles, uma das área que podemos destacar é a Geomorfologia Glacial — nosso objeto de estudo no artigo de hoje.

Fiorde de Geiranger, Noruega. Por jeaneeem - Flickr: IMG_3144, CC BY 2.0
https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=18905510

O relevo, ou seja, as formas que tomam a superfície terrestre em determinados pontos, são resultado de um conjunto de agentes modeladores, endógenos ou exógenos: composição das rochas, os agentes intempéricos e erosivos do ambiente em questão, a ação humana, a tectônica regional, entre diversos outros aspectos. Quando os estudos geomorfológicos focam em um ambiente específico, o clima, vegetação, geologia, tectônica e agentes intempéricos típicos desse tipo de ambiente devem ser sempre levados em consideração.
Por exemplo, os ambientes desérticos apresentam atributos em comum: o vento como agente erosivo, pouca presença de intemperismo químico (pela ausência de água em abundância em superfície), amplitude térmica como agente de intemperismo físico, entre outros. Da mesma forma, quando falamos de ambientes glaciais, deve-se levar em consideração as condições desse tipo de ambiente.
A Geomorfologia Glacial é a área da Geomorfologia que estuda as dinâmicas e interações do relevo em ambientes glaciais, por influência das geleiras e sua movimentação, principalmente. Ainda que hoje haja menos de 10% da superfície da Terra coberta por gelo, as grandes glaciações ao longo do tempo geológico representam importante parte da história do planeta.
Como apresenta a Teoria Snowball Earth (ou Terra Bola de Neve), já apresentada em um artigo anterior, existem evidências que indicam que o planeta tenha estado majoritariamente coberto por gelo em diferentes períodos do tempo geológico, em "idades do gelo". O primeiro uso do termo foi utilizado em 1987, por Joe Kirschivink, um paleomagnetista do California Institute of Technology (EUA), e a hipótese passou a ser mais discutida em 1998, ao ter um artigo publicado na revista científica Science.

Representação gráfica da Terra durante os períodos de glaciação. Fonte: Stocktrek Images, Inc. / Alamy
Até mesmo no Brasil, hoje com um clima impróprio para a formação de geleiras e predominantemente tropical, é possível encontrar evidências de movimentação de geleiras e rochas sedimentares típicas de ambientes glaciais. Formação Bebedouro, por exemplo, no estado da Bahia, a Formação Jequitai, em Minas Gerais, e a Formação Carrancas, também em Minas Gerais — todas constituídas por diamictitos e outras rochas de origem glacial, datadas entre aproximadamente 630 milhões de ano, e em outros casos, 750 milhões de anos, o que corresponde aos períodos de glaciação global Stuartiano e Marinoano (UHLEIN, 2012).
Assim, é possível observar consequências da dinâmica das geleiras mesmo em locais cujo o clima e as condições atuais já são algo muito distantes de um ambiente glacial — por essa razão, é importante o estudo da geomorfologia glacial e Glaciologia.

As geleiras e suas dinâmicas

Geleira em processo de derretimento, Alasca. Foto por: Jim Mone/AP, retirado da National Geographic.

Geleiras e calotas são grande parte da modelagem de relevo em ambientes glaciais.
Geleiras são massas continentais de gelo de limites definidos, que se movimentam pela ação da gravidade. Originam-se pela acumulação de neve e sua compactação por pressão, transformando-a em gelo (Rocha-Campos, A. C. ; Santos, P. R., 2000). Após sua formação, a manutenção dessas geleiras depende do equilibro entre acumulação de neve e sua perda por ablação, sendo esse processo chamado de balanço de massa.
Segundo o Glossário Geológico do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), ablação é o "processo geológico de desbaste de gelo e neve da geleira por liquefação (degêlo) e/ou sublimação" (Winge, M). Com o aumento da acumulação de gelo, a declividade das geleiras fica mais acentuada, levando a massa de gelo a mover-se sob a ação da gravidade. O atrito das grandes massas e das rochas que elas arrastam contra a superfície das rochas pode gerar diversos tipos de deformações cisalhantes, gerando estrias glaciais, sulcos, cristas, aprofundando vales, etc.

Estrias glaciais em rochas de origem glacial da Formação Bebedouro, Bahia,
com lineações para comparação. Fonte: Rosario, Isabela.

A erosão glacial tem três processos principais de atuação, envolvendo abrasão e desgaste do assoalho, remoção de fragmentos rochosos maiores e a ação da água de degelo. Grandes massas de gelo deslocam-se muito lentamente, mas têm uma enorme capacidade de transporte, podendo carregar blocos de rocha do tamanho de uma casa (Branco, P. M., 2014, via CPRM), o que faz com que esses grandes blocos sejam transportados por longas distâncias, aumentando o poder de abrasão do gelo e modificando o relevo no caminho.
Além dessas alterações de maior porte, há também o acúmulo de água de degelo entre fraturas e poros das rochas, e o congelamento dela quando chega o inverno — como o volume do gelo é maior que da água no estado líquido, a rocha vai sendo rompida por suas fissuras.

Representação da fragmentação de rochas pela água de degelo. Fonte na imagem.

Relevos Glaciais

Com a movimentação de grandes massas de gelo, com abrasão e remoção de grandes blocos, certos tipos de relevos glaciais são gerados. Por exemplo, é comum que se dividam os vales em tipo U e V — vales com perfil em V costumam ser vales fluviais, escavados pelo percurso de um rio pelo centro. Segundo o Glossário Geológico da CPRM, o vale glacial é "escavado ou tomado por glacial de montanha e que apresenta seção perpendicular em forma de "U", distinto dos vales fluviais que mostram perfil em V. [...] As rochas do fundo do vale glacial sofrem o atrito do gelo que escoa carregado de fragmentos rochosos os quais provocam estrias e alisamento nestes pavimentos rochosos de fundo." (Winge, M).

Vale glacial Leh, na Índia, com distinto perfil em formato de U. Sulcos e cristas da erosão glacial são visíveis. Fonte: DanHobley - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=19290010

Representação da formação de uma rocha Moutonnées.
 Fonte: Bonas//Wikipédia
Além das formações como os vales com formato de bacias rochosas côncavas, a abrasão glacial também pode gerar formas como as estruturas Dorso de Baleia, formas alongadas, alisadas e arredondadas  em toda a volta pelas geleiras, alinhadas paralelamente ao fluxo do gelo. Também podem dar origem às Rochas Moutonnées, que receberam o nome por causa das famosas perucas francesas, muito usadas no século XVIII. São elevações rochosas de perfil arredondado e assimétrico, com um lado menos inclinado (a montante em relação a origem do gelo), e um lado mais irregular e abrupto (a jusante), com feições em formato de escada.
Também há paisagens glaciais influenciadas pela ação da erosão da água de degelo — responsável por uma gama de feições flúvio-glaciais, podendo se formar sobre, sob ou nas margens das massas de gelo. Mesmo nas Moutonnées, é possível observar descontinuidades e fraturas da ação do gelo.
É possível ver um exemplar de Moutonnées no estado de São Paulo, na cidade de Salto, a 100 km da capital paulista, e serve como testemunho para uma glaciação de quase 300 milhões de anos atrás. Apesar de ter perdido muitas feições em razão do seu uso para construção civil, ainda é possível observar algumas características típicas do ambiente glacial.

Feições em formato de escada em Moutonnées de Salto, São Paulo. Fonte: Núcleo de Monumentos Geológicos / Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Conclusão

Cada ambiente sobre a superfície terrestre apresenta seus próprios atributos, internos e externos, que influenciam as paisagens que vemos e a forma como vivemos. O relevo, mesmo que não percebamos, muda nosso jeito de morar, de plantar, de locomover, etc — por essa razão, é de extrema importância para geocientistas, e mesmo quem não faz parte da área, entender como essas superfícies se moldam, evoluem, e a dinamicidade dessas mudanças ao longo do tempo geológico. Mesmo no Brasil, estudos da geomorfologia glacial e glaciologia são importantes para entender nossos paleoambientes, e como eles deixaram suas marcas no mundo que vemos hoje.


Referências

http://www.cprm.gov.br/publique/Redes-Institucionais/Rede-de-Bibliotecas---Rede-Ametista/O-Intemperismo-e-a-Erosao-1313.html <acessado em 19/10/2019>
http://www.snowballearth.org <acessado em 20/10/2019>
ROCHA-CAMPOS, A. C. ; SANTOS, P. R. . Ação Geológica do Gelo. In: Teixeira, W.; Toledo, M.C.M; Farchild, T.; Taioli,T.. (Org.). Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de Textos, 2000, v. , p. 213-246.
http://sigep.cprm.gov.br/glossario/verbete/ablacao.htm <acessado em 20/10/2019>
http://sigep.cprm.gov.br/glossario/verbete/vale_glacial.htm <acessado em 20/10/2019>
https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/mugeo-monumentos/visitacao/rocha-moutonnee/ <acessado em 20/19/2019>

Artigo escrito por Isabela Rosario

Um comentário:

  1. muito legal esse artigo chega a ser surpreendenteas informações que a gente descobriu.

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