História da Geologia: Séc. XVIII e XIX - Sobre Geologia

23/06/2019

História da Geologia: Séc. XVIII e XIX

Neste artigo daremos continuidade à série História da Geologia, delineando o final do século XVIII e chegando ao século XIX, conhecido como a idade de ouro da geologia, como veremos a seguir. É de suma importância que a leitura desta série ocorra de forma linear, obedecendo-se a sequência dos artigos já publicados até este. Caso você não tenha lido os artigos anteriores, seguem os links abaixo para acesso imediato:
Visão da cidade de Edimburgo, capital da Escócia, local de nascimento de James Hutton, um dos precursores da geologia. Fonte: https://www.bgs.ac.uk/research/ukgeology/scotland/scottishGeodiversity.html

A Origem das Rochas

Após os temas abordados e problemáticas fundamentais na história da geologia sendo conhecidas, ainda há um tema central e essencial para a geologia que será abordado neste artigo: a origem das rochas. Dentre as diversas escolas científicas accerca dessa tema, duas se destacam e tomam o cenário da história da geologia no século XVIII, são elas o Netunismo e o Plutonismo, as quais serão explicadas logo abaixo.

Netunistas

Os Netunistas, nome proveniente da correlação dessa corrente com o deus Neturno, acreditavam que os grupos de materiais rochosos seriam formados sequencialmente em momentos bem definidos no tempo, cumprindo a seguinte ordem:

  1. Granitos
  2. Gnaisses
  3. Calcários
  4. Pórfiros
  5. Serpentinas
  6. Grauvacas
  7. Calcários de Transição
  8. Arenitos
  9. Calcários
  10. Carvão
  11. Gesso
  12. Argilas
  13. Aluviões
  14. Material Vulcânico

Essa sequência seria sempre idêntica e de abrangência universal, assumindo-se o pressuposto de que a maioria desses grupos teriam sua gênese relacionada à precipitação química, a partir de um "oceano primordial" muito mais espesso e rico em elementos. O oceano atual, de acordo com o Netunismo, é considerado como um resíduo desse processo, por exemplo. Além disso, o oceano primordial também teria dado origem à atmosfera atual, ao longo de uma escala de tempo linear, com uma concepção de início e fim.
De acordo com os Netunistas, oceano seria o protagonista no processo de formação das rochas.
Fonte: Pixabay.

Abraham Werner.
Fonte: Wikipedia.
O autor dessa corrente é Abraham Gottlob Werner (1749 - 1817), professor na mesma instituição que estudou, a Academia de Minas Freiberg. Suas postulações foram descritas em duas de suas obras, a saber: Curta Classificação e Descrição das Várias Rochas (1786) e Nova Teoria Sobre a Formação dos Veios (1791). 

Contudo, muitas das rochas em questão não apresentavam a sequência proposta por Werner, e além disso, algumas relações observadas em campo invalidavam às concepções Netunistas propostas pelo professor.

Plutonistas

Uma escola de pensamento se opôs ao Netunismo, denominada de Plutonismo, afirmando que "os solos e as terras emersas se renovam constantemente; o material erodido se deposita no mar; e as regiões de depressão altimétrica passam a ser preenchidas pelo mar." Esse processo se repete indefinidamente, sem vestígios de um começo ou final, assumindo-se uma noção de tempo cíclico, diferentemente dos Netunistas

Outro pronto de divergência quanto à escola Netunista está na atribuição do calor como agente de consolidação de todos os corpos rochosos, incluindo os calcários. De acordo com o Plutonismo, a fonte de calor para a execução de processos de tamanha magnitude seria o próprio interior do globo terrestre, que também viria a influenciar na elevação e depressão da crosta terrestre, através da expansão e contração das rochas crustais.
De acordo com os Plutonistas, o calor seria o agente protagonista na formação das rochas.
Fonte: BBC.

O autor do Plutonismo foi James Hutton (1726 - 1797), um médico escocês que após decidir viver um tempo de exílio fora da capital escocêsa Edimburgo, realizou grandes observações e elaborou hipóteses cruciais acerca do entendimento dos processos de erosão, sedimentação, diagênese e etc, e como estudá-los. Durante esse período, Hutton começou a imaginar o que seria chamado futuramente de Uniformitarismo, afirmando que os mesmos processos que ocorreram a milhares de anos atrás continuariam a ocorrer ao longo do tempo geológico. 
James Hutton. Fonte: Wikipedia.

Hutton modificou de forma significativa e expressiva o rumo da geologia enquanto ciência, introduzindo os princípios fundamentais do conhecimento geológico e que são utilizados até os dias atuais. Suas ideias foram largamente discutidas por seus seguidores e opositores ao longo do mundo, sendo um cientista que trabalhava essencialmente só, mas participava ativamente da Royal Society of Edinburgh.

Século XIX: a Idade de Ouro

O século XIX é visto como a Idade de Ouro da geologia. Primeiro, porque o número de instituições de ensino e pesquisa era exponencialmente crescente, resultando na larga formação de profissionais na área. Segundo, porque essa ciência estava razoavelmente madura a ponto de surgirem as primeiras associações científicas, a saber: Geological Society de Londres (1807) e Societé Géologique de Paris (1830). Além disso, ocorre também a proliferação dos museus, exercendo importante função de guarda, coleção e exibição de itens relacionados à geologia, como minerais, rochas e fósseis.
Logo da Geological Society de Londres.
Fonte: Wikipedia.

Para se constituir como ciência moderna, a geologia alimentou-se de quatro grandes grupos de abordagem, dentre elas:
  • Abordagem de Espécimes ("História Natural"): buscava identificar, classificar e categorizar os minerais, fósseis, as rochas e estabeleçer nomenclaturas;
  • Abordagem Estrutural ("Geognosia"): procurava analisar a relação entre os corpos rochosos;
  • Abordagem Especulativa ("Teorias de Terra"): vertente que buscava uma explicação para a origem do planeta, às vezes embrenhando-se com uma matriz religiosa. 
  • Abordagem História ("Estratigrafia"): buscava acompanhar a linha do tempo geológico e descrever a história do planeta, estando intimamente relacionada com o entendimento dos Fósseis.
O nascimento da geologia como ciência moderna ocorre quando a própria história dos humanso está sendo revista. Assim, a geologia constitui-se como "ciência histórica da natureza", ao passo em que a história dos humanos também constitui-se de forma científica, passando-se a valorizar tanto a análise do passado "distante" quanto ao passado que está constantemnte sendo produzido no presente. 

O Método Investigativo Geológico


Nesse período havia um crescente sucesso na análise de fósseis e da Estratigrafia e Geocronologia, sendo notável a atuação de três indivíduos: William Smith, Georges Cuvier e Alexandre Brongniart.

William Smith, um prespector de carvão inglês, conseguiu estabelecer uma sequência de estratos tempral, utilizando cores para essa representação, atribuindo para cada camada, fósseis específicos que possuem idades especificas e que servem para a identificação de cada camada. (vide imagem abaixo)

Coluna Estrtigráfica do Mapa da Inglaterra e País de Gales, produzido por William Smith.
Fonte: http://www.strata-smith.com/?page_id=312

Site com os mapas produzidos por William Smith: acesse aqui!

Geroges Cuvier.
Fonte: Wikipedia.
Georges Cuvier e Alexandre Brongniart fizeram, juntos, um levantamento geológico na Bacia Sedimentar de Paris, propondo uma seção estratigráfica baseado na litologia e nos fósseis presentes em cada litologia. Cuvier trabalhava no Museu de História Natural de Paris e também era um especialista na área de Anatomia Comparada, uma área da Zoologia que ele também utilizou para analisar os fósseis e compor a reconstituição de animais já extintos, trazendo uma grande transformação para a Paleontologia. 

Assim, ele foi um pioneiro na tentativa de reconstituição de paleoambientes, um estudo que exigia grande articulação entre a Paleontologia e a Geologia. E nesse ponto Cuvier percebeu uma grande questão metodológica: como reconstituir uma história sem testemunhas? Foi graças a esse questionamento que a metodologia cietífica da geologia foi fundamentada. Havia duas possibilidades que poderiam ser adotadas como métodos de investigação geológica, como o Uniformitarismo e o Catastrofismo. 

Uniformitarismo X Catastrofismo

O Uniformitarismo, como anteriormente explicado, foi proposto por James Hutton e tinha como premissa básica a perpetuação contínua de fenômenos e processos passados no presente. A célebre frase dessa teoria consegue ilustrar tal abordagem: "O presente é a chave para o passado". Ou seja, basta olharmos para os processos atuais para entendermos o passado. Dessa forma, a ciência geológica poderia ser concebida como o estudo dos processos e dos objetos/espécimes nestes processos. Além de Hutton, outros grandes defensores dessa teoria foram John Playfair, Constant Prévost e Charles Lyell.

Paisagens como essa que inspiraram Hutton a refletir sobre o Uniformitarismo.
Fonte: Wikipedia.

Por outro lado, o Catastrofismo assumia a ocorrência de grandes e repentinos eventos como fatores para as mundaças ocorridas ao longo do tempo no planeta e que poderiam (ou não) ainda ocorrerem nos dias atuais. Assim, as explicações se dariam através de eventos extremos, por isso tal abordagem é denominada como Catastrofismo. Os grandes defensores dessa teoria são George Cuvier, William Buckland, Adam Sedwick, Louis Agassiz, Alcide d'Orbigny e Élie de Beaumont. As ideias do Catastrofismo foram discutidas em várias partes do mundo, incluindo no Brasil, com o naturalista José Vieira Couto quando comentou em 1801 sobre a Serra do Espinhaço na região de Minas Gerais:

Observo ainda mais outros fenômenos que todos eles indicam uma revolução que aqui tem mexido e alterado toda a superfície da terra. (...) Que pasmosa força sacudiu as entranhas destes montes, revirou o seu interior para fora, revirou de rojo estes cristais? (...) Por toda a parte vejo o selo da desolação, de ruínas e calamidades por que um dia passou esta parte do globo; vejo por toda a parte os vetigos dos elementos conjurados contra ele, do fogo, das águas e dos ventos; vejo as pegadas de um lapso de tempo que foge a toda compreensão humana; e nós, com tudo isso, dormimos descansados sobre tal monte de ruína.
Eventos como a colisão de um meteoro contra o planeta são considerados como catastróficos.
Fonte: http://atividadeoculta.com.br/index.php/ciencia-e-tecnologia/21-geologia-catastrofismo.html.

 Serviços Geológico

As questões levantadas por ambas as metodologias levou os cientistas a um ponto em comum: o levantamento geológico. Iniciou-se então com grande intensidade a cartografia geológica, que por sua vez foi estimulada pelo avanço dos grande impérios colonias durante a segunda fase do Imperialismo. O conhecimento apurado acerca das áreas a serem exploradas era de suma importância para a eficácia do imperialismo, especialmente no que se refere a busca por metais e pedras preciosas. Foi assim que surgiram os chamados "serviços geológicos" ao redor do mundo, com o intuito de prover informações e conhecimentos geológicos acerca de diversas partes de globo que apresentavam algum tipo de potencial econômico para os grandes impérios. Tais serviços existem até hoje. Eles foram iniciados com os seguintes principais objetivos: 
  • Cartografia do Terreno;
  • Levantamentos de terras para projetos de agricultura e projetos de colonização;
  • Levantamentos de recursos naturais;
  • Cadastros de propriedades agrícolas, de núcleos urbanos e de vias de comunicação;
  • Etc.
Vários foram os serviços geológicos já criados, a saber: Grã-Bretanha (1824), Canadá (1842), Irlanda (1845), Portugal (1848), Áutria (1849), Espanha (1851) e muitos outros. Entre 1824 e 1959 foram criados 126 serviços geológicos, resultando em uma média de aproximadamente 1 a cada ano.

No Brasil também foram criados alguns serviços geológicos, dentre eles:
  • Comissão Geológico do Brasil (1875)
  • Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (1886)
  • Comissão Geográfica e Geológica de MInas Gerais (1891)
  • Serviço Geológico e Minerálogico do Brasil (1907)
  • Serviço Geológico do Brasil - CPRM (1969) (vide imagem abaixo)
Logo do Serviço Geológico do Brasil - CPRM.
Fonte: Wikipedia.

Referências


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. e-aulas: Portal de Videoaulas. História da Geologia: Do Século XIX à Teoria da Deriva Continental. Curso Evolução das Ciências II. Professora Silvia Figueirôa. Disponível em: <http://eaulas.usp.br/portal/video.action;jsessionid=127FF8013751A5B0A1D27074AC7D90DB?idItem=219> Acessado em 23/06/2019.

















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